sexta-feira, 16 de julho de 2010

Um paradoxo na República brasileira: ditadura na democracia, por WELLINGTON DE OLIVEIRA*

Um paradoxo na República brasileira: ditadura na democracia
Publicado: 10/07/2010 por Revista Espaço Acadêmico em colaborador(a), política por WELLINGTON DE OLIVEIRA*


A Copa do Mundo é nossa, não há quem possa com os brasileiros! Eh, Eh, esquadrão de ouro… (Trechos da música alusiva à seleção brasileira comemorativa da conquista do Bicampeonato, 1962)

É fato, em 1962 o técnico do “escrete canarinho”, talvez ninguém se lembre, mas todo mundo se recorda quem foram os “heróis” da conquista, quem nunca ouviu falar de Garrincha, Didi, Djalma Santos e, ai sim, o fabuloso Amarildo que coube a ele a incumbência de substituir o insubstituível, Pelé.

Outra pergunta se coloca, qual era o esquema tático do time brasileiro? Caso existisse, provavelmente existia, não era a tônica da crônica esportiva tampouco era a preocupação do povo brasileiro, colados com seus ouvidos nos radiozinhos de pilha e não com os “amigos da Rede Globo”, torciam eufóricos com aquela conquista.

O Brasil, politicamente, vivia um momento democrático, conflituoso, porque os setores conservadores faziam uma oposição crônica ao governo do presidente João Goulart que havia assumido o posto máximo de nossa nação compromissado com as “Reformas de Base”, de cunho popular e desenvolvimentista. Os representantes de uma determinada direita, principalmente aquela ligada ao capital internacional se articulava em torno e em volta dos militares um golpe contra a democracia que acabou se concretizando em 1964. O país entrou nos chamados “anos de chumbo”, foi a “Ditadura Militar” que se instalou e se consolidou até 1985.

Outras copas vieram. Em 1966, foi um fiasco! Os “heróis” de 1958 e 1962 envelheceram e a geração que poderia superá-los, jogadores como Gérson, Carlos Alberto, Tostão, não foram o eixo central da seleção naquele momento. Pelé estava lá também, mas não em seus melhores dias, inclusive, fortemente “caçado” literalmente na partida contra Portugal de Eusébio (outro que mereceria uma crônica à parte) nada fez. Garrincha estava lá, mas envelhecido e sem a condição que o havia transformado no “Anjo das pernas tortas”. Enfim, 1966, me parece foi a cara de um Brasil atônico, sem saber o que estava acontecendo.

Em 1970, a Copa do Tri, das “Feras do Saldanha” e depois as “Formiguinhas de Zagalo”. Parece-me que aqui se revelam as contradições da sociedade brasileira. A conjuntura era do momento áureo da ditadura militar no Brasil. Sob o ponto de vista econômico vivia-se o “Milagre Econômico” capitaneado pelo economista mor da ditadura, Delfim Neto. Aproveitando esse crescimento econômico o governo Médici prendia e torturava com a classe média respaldando. Era o “Ame ou deixe”.

A pergunta central ai é essa, onde está paradoxo? O governo militar ditatorial, através da Confederação Brasileira de Desporto – CBD, com o ultra-reacionário João Havelange à frente, indica o comunista João Saldanha, crítico do governo e da estrutura do futebol brasileiro. A relação que se estabelece entre os jogadores era democrático e essa seleção montada por Saldanha se organiza para a Copa do México.

Ora, será que o governo Médici admitiria um comunista à frente de uma seleção que participaria de uma Copa? Um técnico que respondia à imprensa internacional sem medo, esse era inclusive o seu apelido (João Sem Medo), que existia tortura no nosso país. Pois bem, três meses antes do início da Copa, João Saldanha foi substituído pelo Zagalo, sabidamente homem do establishment, como diria Norbert Elias. A equipe brasileira foi campeã e arrebatou definitivamente a taça Jules Rimet. O que vimos foi uma democracia na ditadura, não que o governo brasileiro promoveu uma abertura na ditadura para o caso específico da seleção brasileira. Mas o espírito daquele grupo de jogadores que por sinal se identificava com a torcida, pois viviam, jogavam e se relacionavam com seu público aqui no Brasil e penso eu, a presença, inicialmente, de uma pessoa que renegava a ditadura, no caso do Saldanha, mesmo após sua saída, permitiu essa identificação, essa idéia de pertencimento. Se os mentores da ditadura almejavam ganhar apoio junto à população a história veio demonstrar o contrário, em 1974, foi momento de maior votação para o partido de oposição consentida que era o Movimento Democrático Brasileiro (MDB).

A vitória do Brasil na Copa de 1970 marca o espírito da população brasileira na década, ou seja, a alegria de jogar e de se relacionar dos jogadores dizia claramente, queremos um país plenamente democrático. Foi a década que emerge as lutas sindicais do ABC paulista, o renascimento de um movimento estudantil culminando com o movimento das “Diretas Já” e o retorno à democracia com a eleição da dupla Tancredo/Sarney, inaugurando a “Nova República”, apesar da triste morte de Tancredo.

O meu objetivo nesse pequeno espaço não é fazer uma análise da participação da Seleção Brasileira em todas as copas, portanto não investirei analiticamente em outras. Minha tentativa é lançar luzes sobre essa última participação de nossa seleção na Copa da África do Sul em 2010. Vejo no contexto preparativo e na participação brasileira na referida competição aquilo que estou chamando de “paradoxo da república brasileira”.

Como já havia escrito anteriormente o espírito libertário e democrático da seleção de 1970, possibilitou um diálogo seleção com sua torcida e não com o governo ditatorial da época. Mas já em 2010, a idéia de disciplinar, centralizar que é contrário do que está presente na sociedade brasileira, que cada vez mais clama por democracia, agora não só representativa, mas também e, sobretudo, participativa, foi hegemônica. A figura de seu técnico, o famoso Dunga (espero que sua época tenha acabado), foi bastante emblemática para aquilo que estou dizendo: sem elegância, sem educação e autoritário.

Formou-se um grupo fechado que a linguagem popular chama, acertadamente, de panela e aquelas pessoas que não comungavam com esse grupo estavam fora, é o “ame ou deixe-o” da ditadura, ai mora o paradoxo, isso já acabou, mas permanece na mentalidade principalmente dos nossos dirigentes esportivos. O espírito da seleção não estava em conformidade da população, quando isso acontece, penso eu, a “copa não é nossa” é “deles”.

“Eles”, jogadores, não são “nós”, a idéia de identidade não aparece, mesmo porque “eles” não vivem mais entre “nós”. “Eles”, só aparecem em nossos lares pelas mídias, principalmente a televisa. Alguns só aparecem nas “TVs pagas”, ai que a maioria da população não vê e tampouco conhece. E não podemos esquecer que vivemos o ápice da mercantilização das relações sociais. É aquilo que o velho Marx nos apontava no capítulo I da sua grande obra, O Capital, tudo se transforma em mercadoria, inclusive a arte.

--------------------------------------------------------------------------------

* WELLINGTON DE OLIVEIRA é Professor adjunto da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, Doutor em Educação pela UFMG.

Nenhum comentário:

Postar um comentário