sexta-feira, 7 de outubro de 2011

TRIBUNAL DE (IN)JUSTIÇA DO PARÁ ABSOLVE SEFFER DE ESTUPRO DE MENOR

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ
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APELAÇÃO
PROCESSO N. 2010.3.011465-1 (CNJ 0006505-95.2009.814.0401)
COMARCA DE ORIGEM: BELÉM
APELANTE: LUÍS AFONSO DE PROENÇA SEFER (Advs. Osvaldo Serrão e outros)
APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ (Promotora de Justiça Sandra Fernandes de Oliveira Gonçalves)
ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO: LUCIANA ALMEIDA LIMA (Adv. Wanaia Tomé de Nazaré Almeida)
PROMOTORA DE JUSTIÇA (convocada): MARIA CÉLIA FILOCREÃO GONÇALVES
RELATOR: DES. JOÃO JOSÉ DA SILVA MAROJA


EMENTA


APELAÇÃO. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. IMPUTAÇÃO BASEADA NOS DEPOIMENTOS DA SUPOSTA VÍTIMA. PROVA NÃO RATIFICADA PELOS DEMAIS ELEMENTOS COLIGIDOS DURANTE A INSTRUÇÃO PROCESSUAL. PROVA INSUFICIENTE PARA A CONDENAÇÃO. PRINCÍPIO DO ESTADO DE INOCÊNCIA: CARACTERÍSTICA DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO. RECURSO PROVIDO. DECISÃO POR MAIORIA.

I Réu condenado a 21 anos de reclusão, por crimes de estupro de vulnerável supostamente praticados em continuidade delitiva. Condenação baseada nos depoimentos da autodeclarada vítima, que influenciaram as percepções das testemunhas e as avaliações das profissionais que a atenderam posteriormente.

II Consoante jurisprudência sedimentada no Brasil, a condenação do réu por crimes que se caracterizem pela clandestinidade exige que se empreste particular relevância à palavra da vítima que, por vezes, é a única pessoa capaz de fornecer informações capazes de revelar os fatos ocorridos. Contudo, num regime processual de garantias, como é o brasileiro, por força dos princípios e normas consignados na Constituição de 1988, exige-se que a prova haurida junto à vítima seja corroborada por outros elementos concretamente produzidos nos autos.

III Trata-se de uma decorrência da regra de que cabe ao Ministério Público demonstrar de forma cabal a imputação, sem o que a absolvição é o que se impõe, inclusive porque não se exige do réu que prove a própria inocência.

IV A palavra da vítima, como meio de formação do convencimento do julgador, serve tanto para condenar quanto para absolver. Entendimento diverso colocaria o status libertatis do réu à mercê de ficções processuais, o que contraria o princípio do estado de inocência, cânone do Estado Democrático de Direito.

V Recurso provido. Decisão por maioria.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Desembargadores da 3ª Câmara Criminal Isolada do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, sob a presidência do Desembargador RAIMUNDO HOLANDA REIS, em conformidade com a ata de julgamento e as notas taquigráficas, por maioria de votos, vencido o juiz convocado ALTEMAR DA SILVA PAES, em conhecer da apelação e, no mérito, dar-lhe provimento, nos termos do voto do relator.

Belém (PA), 6 de outubro de 2011.


Des. João José da Silva Maroja
Relator


RELATÓRIO

Cuida-se de apelação interposta por LUÍS AFONSO DE PROENÇA SEFER, guerreando a sentença que o condenou à pena de 21 anos de reclusão e lhe impôs reparação material da ordem de 120 mil reais, a título de danos morais, pelo crime de estupro de vulnerável, em situação de continuidade delitiva.

Em seu arrazoado recursal (vol. 6, fls. 1518/1540), o apelante sustenta não haver prova que autorize sua condenação, senão apenas uma valorização absoluta da palavra da menor que acusa, a despeito das contradições em seus depoimentos, e de elementos colhidos durante o inquérito policial, que teria sido instaurado a partir de conjeturas, afirmando que a regra da investigação foi concluir para depois apurar.

Sustenta que, ao tomar o apelante como autor do delito desde o primeiro momento, as autoridades públicas deixaram de investigar a figura de MANOEL SANTOS FILHO, pai da pretensa vítima, com um assombroso histórico de violência sexual e incesto contra as próprias filhas, o que teria sido informado nos depoimentos de JOÃO PIMENTEL e da filha GLÁUCIA. Contudo, a delegada presidente do inquérito ignorava sistematicamente os pedidos para aprofundar essa linha de investigação.

Afirma ter tomado conhecimento da trágica destruição da família da menor em viagens políticas pelo interior e, sensibilizado, pediu a avó que autorizasse [a vítima] a morar consigo e família, buscando oportunizar-lhe perspectivas de vida pessoal e profissional (sic), caridade que seria recorrente em sua própria família e que teria sido admitida pela vítima em mais de um depoimento.

Analisa a mudança de comportamento da menina, caracterizada pelo abandono dos estudos, más companhias, saídas noturnas, doença venérea e convivência com vários homens, o que o levou a restituir a garota a sua família. Refuta as acusações sobre os atos de abuso sexual e surras, sobre o apelante ter violentado outras meninas e sobre ter sido violentada também pelo filho do alegado abusador, sem ter a oportunidade de denunciá-lo.

Assevera que a pretensa vítima se deixara seduzir pela vida boa que levava na capital e, temendo perder seus privilégios, engendrou todas as acusações que redundaram no presente processo. Traça um perfil psicológico da menina, com base na avaliação da psicóloga ARLENE CHAVES.

Defende que a palavra da ofendida é prova insuficiente para a condenação, quando isolada. Ataca, ainda, a dosimetria da pena imposta, seja pela ausência de motivação para uma pena-base acima do mínimo legal; seja pela inclusão da agravante crime contra criança, que no caso seria elementar do tipo; seja por majorar a pena de metade com base na continuidade delitiva, sem determinar com exatidão o número de ilícitos supostamente cometidos. Por fim, contesta a exorbitância da sanção pecuniária, totalmente desfundamentada.

Em contrarrazões (vol. 6, fls. 1558/1567), o órgão ministerial considera o apelo meramente procrastinatório, haja vista terem sido respeitadas todas as formalidades legais, além de que o juízo a quo, embora condenando o réu, reconheceu a este todos os benefícios e atenuantes que fazia jus (sic). Aduz que nenhuma violação a princípios constitucionais ou nulidades foi suscitada no transcurso do feito e dentro do prazo legal, sendo a insurgência um conjunto de divagações existenciais acerca da atuação funcional da Autoridade Policial, do Ministério Público e do Magistrado de 1º grau, além de uma suposta desvantagem por ter sido satanizado pela mídia.

Contesta as críticas ao inquérito policial porque, se este realmente houvesse sido conduzido tendenciosamente pela delegada, seus elementos cairiam sob o crivo do Ministério Público.

Sustenta que as provas coligidas são idôneas para justificar a condenação, notadamente a palavra da vítima. Afora isso, considerando a subjetividade da matéria, defende a pena imposta, descartando qualquer possibilidade de revisão da dosimetria. Conclui pelo improvimento do recurso.

A assistente de acusação também contra-arrazoou o apelo (vol. 6, fls. 1572/1578), alegando que a condenação se baseia não apenas no depoimento da vítima, mas também na prova técnica (perícia e laudos), no depoimento de testemunhas tanto de acusação, como de defesa.

Pondera que, se o pai da menor cometeu o mesmo crime contra a irmã da ofendida, isso está fora do âmbito deste processo, de modo que tais fatos não influenciam em nada a apuração do crime perpetrado pelo acusado.

Afirma que a vítima, mesmo prestando diversos depoimentos, jamais se contradisse ou apresentou versões diferentes. Além disso, as testemunhas ESTÉLIO MARÇAL GUIMARÃES, JOAQUIM OLIVEIRA DOS SANTOS, JOÃO RAIMUNDO AMARAL PIMENTEL e da avó, TEREZA RODRIGUES MACHADO, desmentem a versão de que o apelante pediu autorização para trazer a menor para Belém, por estar sensibilizado.

Ataca especialmente o depoimento confuso e extremamente contraditório da menor GLÁUCIA e o laudo psicológico a seu respeito, exarado por profissional que nunca teve nenhum contato com a vítima, baseando-se apenas em documentos apresentados pelo acusado.

Assevera, ainda, que se a menor não denunciou antes os abusos sofridos foi por saber que pela posição social, dinheiro e influência política que o acusado possui, a mesma poderia ser desacreditada.

Por fim, ratifica a dosimetria da pena, aduzindo, com relação à sanção pecuniária, que esta se fundamenta na gravidade dos danos causados, além de que, por reparar danos morais, dispensa-se qualquer aferição técnica para a estipulação de seu valor. Conclui pedindo a manutenção do julgado.

Encaminhados os autos à procuradoria de justiça, a eminente promotora de justiça convocada, MARIA CÉLIA FILOCREÃO GONÇALVES, manifestou-se pelo conhecimento e improvimento do apelo (vol. 6, fls. 1582/1625).

É o relatório, que submeto à revisão.

Belém, 30 de setembro de 2011.


VOTO


1 Admissibilidade e objeto do apelo

O recurso é adequado e tempestivo, além de estar subscrito por advogado habilitado. Conheço.

A denúncia (vol. 4, fls. 702/710) imputou ao apelante os crimes de estupro e de atentado violento ao pudor, praticados com violência presumida, consoante legislação da época, praticados em situação de continuidade delitiva. Dela consta que a vítima teria ido morar na residência do apelante para fazer companhia a uma criança, mas no local moravam apenas ele e dois filhos adolescentes. A partir do segundo dia, começou a sofrer abusos sexuais, o que se estendeu pelos quatro anos seguintes.

Após a instrução processual, a sentença condenou o réu, sendo que, devido à superveniência da Lei n. 12.015, de 2009, que revogou os arts. 214 e 224 do Código Penal, modificou o conteúdo do tipo de estupro e criou a figura do estupro de vulnerável, o juízo a quo houve por bem reconhecer tão somente o crime de estupro de vulnerável, respeitando o princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa.

Por meio do presente apelo, pretende o recorrente ser absolvido ou, alternativamente, ter reduzida a sua pena.

O art. 234-B do Código Penal, inserido pela Lei n. 12.015, de 2009, determina que Os processos em que se apuram crimes definidos neste Título correrão em segredo de justiça. Diante disso, e considerando a ampla publicidade hoje favorecida pela tecnologia informática, é possível a qualquer pessoa ter acesso à integra de decisões judiciais, inclusive acórdãos, através da Internet. Assim sendo, invoco o princípio constitucional da dignidade humana e mais as normas constantes do Estatuto da Criança e do Adolescente para justificar que o nome da adolescente tida como vítima nestes autos seja substituído por suas iniciais (SBG), em todas as menções que houver, sem prejuízo da exatidão das transcrições.

2 Mérito

A apelação está centrada em duas teses são: negativa de autoria e insuficiência dos depoimentos da vítima para fundamentar a condenação. Isto porque todos os demais elementos utilizados pela acusação se originam nas declarações da menor. Com efeito, o núcleo da imputação contra o apelante reside nas declarações da pretensa vítima, que devem ser analisadas à luz dos princípios consagrados na Constituição de 1988, notadamente o dever do Ministério Público de comprovar a acusação deduzida em juízo.

2.1 A versão de SBG

A suposta vítima prestou, ao todo, seis depoimentos nestes autos, que ocorreram nas seguintes ocasiões:

a) perante o juízo de Direito da 1ª Vara da Infância e da Juventude de Belém, em 23.10.2008 (vol. 2, fls. 317/319);

b) perante o PROPAZ Integrado, em 24.10.2008 (vol. 1, fls. 19/21);

c) perante a Procuradora da República ANA KARÍZIA TÁVORA TEIXEIRA, da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal no Pará, em 14.11.2008 (vol. 1, fls. 8/11);

d) perante o Ministério Público da Infância e da Juventude do Distrito Federal, em 15.1.2009 (vol. 3, fls. 450/461);

e) perante a 1ª Vara de Precatórias do Distrito Federal e Territórios, em 18.11.2009 (vol. 5, fls. 1209/1213);

f) por videoconferência, em 7.4.2010 (vol. 5, fls. 1322/1328).

A versão contada por SBG dá conta de que morou em Mocajuba com a avó TEREZA até os 9 anos, pois sua mãe é falecida e o pai morava em Belém. Em julho de 2005, sua avó lhe propôs que fosse trabalhar como babá em Belém, o que lhe permitiria ter uma vida melhor, pois poderia estudar. No dia seguinte, foram-lhe buscar o médico da cidade, ESTÉLIO GUIMARÃES, e um senhor de nome JOAQUIM, em cuja casa em Belém permaneceu por quatro dias, quando por fim o apelante foi buscá-la.

Na versão de SBG, na casa moravam o apelante, seus dois filhos adolescentes e uma menina de nome CILENE (12), que logo foi embora. Havia também a empregada SANDRA, que não dormia no emprego. Foi a única empregada no período em que a vítima lá morou.

Ainda em sua versão, no segundo ou no terceiro dia o apelante iniciou os abusos sexuais, que envolveriam introdução de objetos na vagina, além de cópulas vaginal, anal e oral, que teriam perdurado por quatro anos. Nesse meio tempo, teria contado os fatos para SANDRA, o que lhe teria rendido agressões físicas, como represália.

Ainda segundo SBG, tentou fugir três vezes, sendo que na primeira foi só até a esquina, porque não conhecia a cidade e tinha medo de se perder. Na segunda, foi recolhida pelo Conselho Tutelar, que a levou de volta ao prédio e não empreendeu maiores diligências devido ao horário. Na última, refugiou-se na casa de amigas, tendo contado a sua história para estas e para a mãe das meninas, Sra. NÁDIA, que foi quem a apresentou ao Conselho Tutelar.

Consoante jurisprudência sedimentada no Brasil, a palavra da ofendida é o principal meio para a formação do convencimento do julgador, desde que se mostre coerente com outros elementos coligidos durante a instrução. Por isso, passo a analisar o que foi apurado nestes autos.

2.2 Avaliações psicossociais

Não existem, nos autos, avaliações psicológicas propriamente ditas, senão apenas relatórios de atendimento, que se baseiam nas informações factuais prestadas na oportunidade do contato entre a suposta vítima e o profissional, e depoimentos. Em suma, estes elementos são fortemente centrados, em última análise, na versão trazida por quem buscou o atendimento.

É o que ocorre com a assistente social do Abrigo Dulce Accioli, ALTAIR DO SOCORRO NAIFF SILVA, que disse ter a impressão pessoal de que SBG passara por uma situação de extrema violência (fl. 22). Em juízo, após esclarecer a sua metodologia de trabalho, afirmou que a adolescente se mostrava bastante abalada, fragilizada, com medo e dizia que tinha medo de morrer (vol. 4, fls. 954/958).

O abalo emocional de SBG foi ratificado pela também assistente social ANA CLÁUDIA PINHEIRO NONATO ALVES (vol. 4, fls. 973/976) e pela psicóloga SARA DANIELLE BAÍA DA SILVA, sendo que esta última reporta coerência entre o que a menor relata e sua característica psicológica, aliado ao que constava em suas fichas (vol. 5, fls. 1106/1108), sendo que todo esse conteúdo, pelo que se depreende, possui a mesma origem, qual seja o conjunto de informações repassadas pela própria adolescente.

A assistente social LUCIANA ALMEIDA LIMA, que acompanhou o depoimento da vítima ao Ministério Público Federal, em Brasília, também insistiu na coerência da versão narrada e no aparente sofrimento da jovem (vol. 5, fls. 1011/1016).

A defesa, por sua vez, apresentou o documento designado considerações e impressões diagnósticas, subscrito pela psicóloga ARLENE MARINA COELHO CHAVES (vol. 5, fls. 1246/1250), elaborado com base nos termos de depoimentos da vítima e de sua irmã e em outros documentos constantes dos autos. A profissional esclarece não ter mantido contato pessoal com os envolvidos no caso.

Por meio de uma dissertação sobre características genéricas de vítimas de abuso sexual, a profissional conclui que SBG deveria apresentar sintomas de transtorno de estresse pós-traumático, porém não existiriam evidências nesse sentido. Cita algumas atitudes que seria de se esperar da vítima, sustentando que a consistência, coerência e ordenação temporal e espacial nos relatos em diferentes ocasiões e o uso de termos técnicos incompatíveis com sua idade, grau de escolaridade e nível cultural, geográfico e familiar retiram a credibilidade dos depoimentos, pois a vítima deveria falar de forma desestruturada.

A perita faz ilações sobre a tese da defesa, de que a vítima foi abusada pelo pai e teve um relacionamento prolongado com ele. Em sua interpretação, acredita que um pacto de silêncio intrafamiliar acerca dessa violência levou à implantação de falsa memória, o que seria uma situação comum, principalmente quando a criança é posta a depor perante investigadores com postura de salvadores e de pena. Conclui, a partir de todos os dados levantados ao longo desse processo, que ela possui algum distúrbio psicológico ou psiquiátrico e que a denúncia de abuso sexual é falsa.

Por fim, a perita afirma que o apelante não evidencia qualquer comportamento característico de abusador e molestador, consoante literatura especializada.

O documento foi impugnado pela assistência de acusação (vol. 5, fls. 1287/1290), porque a autora não compareceu às audiências em que foram redigidos os termos analisados, nem foi chamada para funcionar como perita. O documento teria revitimizado a ofendida, através de conclusões de cunho ofensivo e precipitadas, especialmente pela inconsistência técnica e unilateralidade (...), pois não se baseia em qualquer instrumental previsto na Resolução 007/2003 do Conselho Federal de Psicologia [manual de elaboração de documentos por psicólogos], evidenciando até mesmo afronta ao Código de Ética da categoria.

Outrossim, como o processo corre em segredo de justiça, qualquer profissional, para se manifestar a respeito, deveria estar habilitado ou ser designado pelo juízo. Por fim, lembra que as pesquisas demonstram não haver um perfil específico de abusador, que normalmente são indivíduos livres de qualquer suspeita.

A psicóloga foi, todavia, ouvida em juízo como perita contratada pela defesa (vol. 5, fls. 1337/1342), ocasião em que disse ter analisado o caso com base nos critérios e diagnósticos de uso na Psicologia e que conhece na íntegra os autos. Esclareceu quais são as características que devem apresentar vítimas e autores de abusos sexuais, de acordo com a literatura especializada disponível. Explicou em que consiste implantação de falsa memória e disse não ser possível que em uma única entrevista se chegue a uma conclusão sobre a veracidade das alegações de uma suposta vítima, pois isso pode induzir a erro de diagnóstico.

Admitiu não ter atendido nenhuma das pessoas mencionadas em seu parecer e que a ausência da escuta dos avaliados pode induzir a erro. Disse que, com base nos documentos analisados, a vítima pode estar mentindo.

2.3 Prova pericial

As perícias realizadas nos autos confirmam que SBG teve atividade sexual em idade que implicaria na caracterização de crime em tese.

Com efeito, o laudo de exame de corpo de delito: conjunção carnal (vol. 1, fl. 31) atesta hímen semilunar de óstio médio, de orla média, apresentando quatro roturas completas e cicatrizadas, sem sinais de relação sexual recente ou de violência.

Por sua vez, o laudo de exame de corpo de delito: ato libidinoso diverso da conjunção carnal (vol. 1, fl. 32) atesta ânus dilatado infundibuliforme, com alteração do pregueamento e lesões cicatrizadas em quadrantes anterior e posterior, sugerindo provável cópula ectópica anal antiga, também sem indícios de violência.

As peritas que elaboraram o segundo laudo, ÂNGELA OLÍVIA COSTA e MARIA FRANCISCA ALVES ALVES, atendendo a quesitos formulados durante a instrução processual, apresentaram documento no qual esclarecem que a expressão ânus dilatado infundibuliforme significa que ocorreu penetração crônica e permissiva no canal anal. A reiteração dos coitos anais dá ao esfíncter um aspecto de funil, o que pode ser facilmente constatado (fl. 987). Aduzem as peritas que a dilatação anal é consequência de penetração local, seja através de cópula ou de introdução de objetos, desde que de forma crônica (fl. 989).

Posteriormente, ao depor em juízo, a perita MARIA FRANCISCA ALVES ALVES, respondendo a questionamentos da defesa, esclareceu que a dilatação anal identificada na perícia não poderia ser causada simplesmente por obstinação intestinal, sendo necessário haver associação com doença gastrointestinal, de que não se tem notícia nos autos (vol. 4, fls. 977/980). Em seu depoimento, confirmou ter identificado em SBG sinais de violência sexual antiga:

QUE juntamente com a outra perita observaram que a vítima apresentava lesões características de violência sexual antiga, como consta no laudo elaborado; QUE ouviu a adolescente relatar que sofreu abuso sexual tanto vaginal como anal; (...) QUE a adolescente disse que quem fez aquelas coisas com ela era o dono da casa onde morava que era o Deputado Sefer; QUE em nenhum momento a adolescente disse ter sido abusada por outra pessoa a não ser pelo deputado; (...) QUE as perguntas na qual consta as características (sic) de letra 'f' esclarece que a vítima disse ter sido violentada aos nove ou dez anos, daí com o passar do tempo ficam só as cicatrizes das lesões sofridas; (...) que a confirmação da violência sexual é um conjunto de elementos que o perito se apoio (sic) para afirmar, são as alterações genitais e as alterações da região anal, que todas duas estavam presentes na pericianda, com características de antiguidade e corrobora com o histórico da vítima

Estas declarações foram ratificadas pela outra perita, ÂNGELA OLÍVIA DA SILVA COSTA, também ouvida em juízo (vol. 4, fls. 981/983).

Por oportuno, destaca-se que a prova pericial pode atestar a materialidade delitiva, porém não a autoria.

2.4 Prova testemunhal

DJANÁDIA MARIA DA SILVA CÉSAR (vol. 4, fls. 942/947), ouvida como informante, disse que a vítima estudava com sua filha e por isso frequentou sua casa por mais de um ano, apresentando-se sempre com simplicidade. Porém, após um tempo sumida, voltou mais arrumada e com celular. São suas palavras:

QUE a vítima sempre apresentou ser uma criança muito triste e fechada; (...) QUE nunca viu a vítima alegre, sorrindo ou feliz; (...) QUE a vítima sempre que estava na sua casa não queria retornar a residência do acusado; (...) QUE o acusado ligou para sua casa procurando pela vítima, no dia em que a Silmara sumiu; (...) QUE falou com o acusado no máximo umas duas ou três vezes por telefone; (...) QUE o acusado quando falou ao telefone com a informante se identificou como tio e disse que tinha um documento que tornava o acusado responsável legal pela vítima; (...) QUE quando a vítima lhe contou sobre os abusos que vinha sofrendo por parte do acusado ela disse que o acusado abusava dela, fazia saliências; QUE o acusado fazia Saliências pela frente e fazia saliências por trás; QUE 'o acusado mandava a vítima colocar o pinto na boca dela' (textuais); QUE perguntava a vítima se ela gostava, mas a vítima disse que não gostava e que não contava a ninguém porque era ameaçada pelo acusado que dizia que iria matar os familiares dela, inclusive a pessoa para quem ela contasse

A conselheira tutelar NAZARÉ CRISTINA PENA DA FONSECA (vol. 4, fls. 948/953) atendeu a vítima, em companhia da Sra. DJANÁDIA, informando que estavam muito nervosas, inclusive por ser o acusado uma pessoa influente. Segue-se uma descrição sintética do caso, no mesmo sentido em que já relatado pela ofendida, acerca dos abusos e dos castigos infligidos quando contara à empregada sobre o ocorrido.

Delegada de polícia que presidiu as investigações do caso, CHRISTIANE FERREIRA DA SILVA LOBATO relatou parte de seus trabalhos, destacando ter encontrado provas, inclusive documentais, de que SANDRA DOS ANJOS, empregada do apelante, visitou o sobrinho da vítima (filho da irmã GLÁUCIA) quando este foi internado em um hospital em Ananindeua, tendo fornecido o seu telefone, embora o acusado afirme que não mantinha contato com o pai da vítima (vol. 5, fls. 1017/1022).

Arrolada pela defesa, foi ouvida como informante TEREZA RODRIGUES MACHADO, avó da vítima. Confirmou ter entregado a menina aos cuidados do apelante através de seu amigo JOAQUIM, o qual sempre lhe informava que a criança estava bem. Em visitas que fez à família, em Mocajuba, sempre acompanhada de SANDRA, a menina dizia estar sendo bem tratada e, quando o apelante tentou restituí-la porque não estaria bem na escola, saía muito e poderia engravidar , ela mesma fez questão de voltar a Belém. Disse não acreditar na neta e acreditar no apelante. Acredita que sua neta se revoltou porque o apelante lhe imporia regras muito rígidas (vol. 5, fls. 1023/1026).

Outra informante ouvida foi TATIANA DE NAZARÉ COELHO BRAGA, na época noiva e hoje esposa do apelante, que disse já frequentar assiduamente a casa deste antes de se mudar para lá e antes da chegada da vítima. Confirmou que ali o apelante morava apenas com os dois filhos. Disse não poder assegurar se a menina saía de casa à noite, por causa da distância dos quartos de uma e outra. Mencionou duas tentativas de devolver a menina, a primeira em fevereiro de 2008, quando descobriram que ela estava com condiloma (doença sexualmente transmissível), e a segunda em julho, porque estava muito desobediente. Disse que a vítima nunca a procurou para denunciar o abuso, do qual ela certamente saberia se acontecesse (vol. 5, fls. 1028/1032).

O porteiro do horário noturno do Edifício Strauss, onde mora o apelante, JOSÉ MARIA DE OLIVEIRA FRANCO, narrou o dia em que chegou ao prédio uma Kombi da DATA, podendo afirmar isso pelo crachá da pessoa que falou com ele. Disse que, por estar nervoso em seu depoimento anterior, afirmou que a Kombi era do Conselho Tutelar e não da DATA (vol. 5, fls. 1033/1035). Afirmou que SBG saía à noite com frequência, manifestando-se nestes termos:

QUE acha que a Silmara era tipo uma filha, porque na idade que chegou lá não podia ser empregada; QUE ela saía frequentemente à noite em agosto de 2008; QUE Silmara saía mais ou menos as 23 horas e voltava as três horas, sendo que um dia ela chegou cinco horas da manhã e sempre saía sozinha; (...) QUE Silmara saía arrumadinha (sic)

A filha da empregada SANDRA, JORGEANE CARRERA DAHAS, sugeriu que esta teria molestado seu filho de cinco anos. Disse também tê-la encontrado, em certa ocasião, num bar na companhia de alguns homens e que ela estava toda transformada (vol. 5, fls. 1036/1038). A própria SBG, por sinal, parece confirmar esta segunda afirmação, pois admitiu, em seu último depoimento, ter sido apreendida pelo Conselho Tutelar no bar Açaí Biruta, para onde teria ido à noite, sozinha, tendo-se encontrado com quatro homens, amigos de sua colega, não sabendo dizer se eram maiores ou menores de idade (fl. 1.327).

Observe-se que a jovem diz já conhecer esses homens de vista, pois eles haviam visitado sua amiga no colégio.

A irmã do apelante, ANA AMÉLIA SEFER DE FIGUEIREDO, ouvida como informante, disse que nunca percebeu, na vítima, aspectos de uma pessoa que sofria abusos sexuais. Aduziu ter tomado conhecimento de algumas saídas furtivas durante a noite da vítima. Confirmou que sua família pegava meninas para educar, por caridade, e que a acusação seria uma represália pelo aumento das exigências que o apelante fazia sobre a conduta da menor, especialmente pela ameaça de devolvê-la à família (vol. 5, fls. 1039/1042).

Também ouvida como informante, por ser menor, SIULENY SANTOS RODRIGUES disse ter morado no apartamento do apelante em 2004, aos dez anos, no mesmo período em que a vítima e que esta jamais lhe relatou ter sido violentada, contrariando as declarações de SBG. Negou que tenha mantido relações sexuais com o apelante ou que, em alguma ocasião, este tenha passado creme nela e na vítima. Disse que o acusado conversou com sua mãe porque estava precisando de uma menina mesmo, mas que essa expressão significava precisando com a finalidade de estudar (vol. 5, fls. 1092/1094).

Esta informante teve seu depoimento impugnado pelo órgão ministerial por não possuir a mínima imparcialidade, já que se mostrava contraditória e pelos muitos silêncios que fazia antes de responder, precisando corrigir as informações que antes prestara.

Conhecedor da família da vítima, JOÃO RAIMUNDO AMARAL PIMENTEL afirmou que esta morou com o pai até por volta dos sete anos, quando então ele fugiu para Belém, por ter sido descoberto que ganhava a vida aplicando um golpe de empréstimo de dinheiro, levando em sua companhia a filha GLÁUCIA. Através de familiares, soube que SBG teria dito que o pai praticava atos sexuais com Gláucia perto dos outros filhos, mas nunca disse que abusava também dela nem escutou tal comentário de terceiros (vol. 5, fls. 1102/1105).

Também informante, GLÁUCIA BORGES RODRIGUES, irmã da vítima, confirmou ter sido estuprada pelo pai, dele engravidando quando tinha doze anos. Afirmou que SBG sabia dos abusos sofridos pela depoente, tendo inclusive presenciado em uma ocasião. Disse acreditar que SBG tenha sido abusada, pois já presenciou Manoel [pai das menores] apalpando-a, bem como sua irmã menor, tendo-o denunciado uma vez em Mocajuba, mas ninguém acreditou porque se tratava de uma criança acusando (vol. 5, fl. 1110).

Na sequência, disse ter recebido algumas visitas de SBG, tendo achado muito estranho seu comportamento (fl. 1110). Ratificou sua crença de que a irmã tenha sido abusada, mas não pelo apelante e sim por seu pai, a quem se refere como monstro, pois o visitava aos finais de semana e era sempre presenteada (fl. 1111). Disse, inclusive, que certa vez contraíra uma doença venérea de seu pai, a mesma que SBG teria manifestado (fl. 1112).

SANDRA MARIA CARRERA DOS ANJOS, também informante por ser economicamente submetida ao apelante, esclareceu que a filha deste, PAULA, mora no Rio de Janeiro com a mãe e durante esses 09 anos que trabalha na residência do acusado Paula só vem visitá-los nas férias e feriados (fl. 1331) e asseverou que SBG jamais lhe relatou abusos sexuais (vol. 5, fls. 1330/1336).

A informante relatou que chegava ao trabalho às 08h00 ou 08h30 e saía às 17h00 ou 17h30, podendo afirmar que SBG não ficava só com os homens em casa. Durante o dia, sempre estava em casa e, à noite, a namorada e hoje esposa de seu patrão sempre dormia lá nesses 09 anos (fl. 1332). Esta informação é contradita pelo próprio apelante (eventualmente SBG ficava sozinha com os filhos do depoente, fl. 1348) e com a esposa deste (QUE procuravam sempre viajar juntos, mas que pode ter havido um período em que o acusado ficava só, fl. 1031).

A testemunha MARIA DE LOURDES LIMA DE SOUZA (vol. 4, fls. 959/961) nada disse de conclusivo para o caso.

2.4 Interrogatório do acusado (vol. 5, fls. 1344/1355)

Negou as acusações e disse que SBG chegou em sua casa como uma criança comum, vindo a apresentar problemas de comportamento que atribuía à idade, procurando discipliná-la como fazia com seus filhos. No início de 2008, foi avisado por sua esposa que a menina apresentava bolinhas nos genitais, que examinou a olho nu, na presença da esposa, constatando tratar-se de condiloma, doença venérea que exige promiscuidade e relação íntima. Com muita insistência, a menina teria admitido ter saído com cinco homens, o que o levou a desistir de sua guarda e a devolvê-la à família. Mandou-a ao interior, mas em dez dias estava de volta porque, segundo sua empregada SANDRA, convencera a família.

Aduziu que, devido a sua atividade política, pouco esteve em casa naquele ano, do que se aproveitou a menina para ir lá raramente a não ser para dormir. Em fins de julho, mandou-a de volta para a família, mas ela retornou mais uma vez, com o comportamento piorado, já usando pinturas, saindo sem hora para retornar e falhando na escola. Como não lhe foi apresentado um boletim, esteve na escola e descobriu que ela não mais frequentava as aulas há tempos. Nesse momento, porém, a menina já fugira de sua casa e, com o apoio de d. NÁDIA, foi ao Conselho Tutelar. Foi quando inventou as mentiras.

O apelante admitiu ter trazido do interior, para morar consigo, a menor JULIANA, então com dez anos. Passados seis ou sete meses, mandou-a embora por não obedecer a ele. Tempos depois trouxe a menor CIRLENE, de doze ou treze anos, que ficou consigo apenas cinco meses, por não se adaptar. Finalmente, assumiu SBG, mas nunca disse que pretendia tê-la como babá de sua filha. Quando os problemas de comportamento começaram, tolerou-os por mais de um ano.

No interrogatório, o apelante disse também que, após estourar o escândalo, tomou conhecimento através dos porteiros do prédio, trabalhadores próximos e de pessoas em geral que SBG saía e praticava relações sexuais com várias pessoas que não sabe nominar. Admite que não tem como provar esta alegação.

Para demonstrar que nunca abusou da menina no elevador de seu prédio, afirmou que lá moravam o presidente do congresso nacional e do tribunal de justiça, tendo por isso forte aparato de segurança com inúmeras câmeras, inclusive no elevador. Curiosamente, nenhuma imagem foi trazida aos autos, para comprovar as saídas noturnas da menina.

3 Análise do arcabouço probatório

Preliminarmente, esclareço que a tese defensória segundo a qual SBG teria sido estuprada pelo próprio pai não será objeto de maiores considerações neste voto, porquanto o fato, ainda que eventualmente confirmado, não teria o condão de confirmar nem de elidir a acusação contra o apelante. Acima de tudo, porém, cuida-se de preservar os direitos constitucionais de uma pessoa que não figura como réu neste feito e cuja responsabilidade o Ministério Público já mandou apurar, como se vê pelas diligências requeridas às fls. 1113/1114.

Atenho minha análise, por conseguinte, ao fato de que, num processo penal de garantias, como hoje se afirma ser a natureza do processo penal no Brasil, o julgador precisa confrontar-se, com muito maior severidade, com a constatação fática de que certos delitos possuem natureza clandestina, sem que isso implique em negar-se toda e qualquer prerrogativa defensória, expondo o cidadão a acusações indefensáveis, porquanto até mesmo a produção de contraprova resta prejudicada.

No caso vertente, não se vislumbram nos autos, em desfavor do apelante, senão as declarações de SBG, que restaram repetidas pelo corpo assistencial das instituições pelas quais passou e por algumas testemunhas, cujos depoimentos devem ser tomados com reservas, vista a condição de informantes.

A par disso, o fato de a perícia sexológica ter identificado apenas os vestígios de atividade sexual antiga impede, concretamente, que se descubra em qual momento exato ocorreram as relações sexuais, inviabilizando a verificação sobre terem ocorrido antes de SBG mudar-se para a casa do apelante, durante sua permanência lá ou, mesmo, na etapa final, quando ela já visitava o pai na residência deste, aos finais de semana.

Não por acaso, a jurisprudência é clara no sentido de que a palavra da ofendida é o principal meio de prova contra o réu, em delitos sexuais, mas isso não autoriza que seja prova única, reclamando-se um mínimo de ratificação por outros meios idôneos. Há precedentes mesmo no Supremo Tribunal Federal quanto a isso, como se demonstra abaixo:

Em se tratando de delito contra os costumes, a palavra da ofendida ganha especial relevo. Aliada aos exames periciais, ilide o argumento da negativa de autoria. (STF, 2ª Turma RHC 79788/MG rel. Min. NELSON JOBIM j. 2/5/2000 DJ 17/8/2001 PP-00052)

A palavra da vítima quando não está em conflito com os elementos produzidos ao longo da instrução penal assume importância probatória decisiva, especialmente quando a narração que faz apresenta-se verossímil, coerente e despojada de aspectos contraditórios. Precedentes. (STF, 1ª Turma HC 74302/RS rel. Min. CELSO DE MELLO j. 26/11/1996 DJe-178 DIVULG 15-09-2011 PUBLIC 16-09-2011)

De igual modo, no Superior Tribunal de Justiça:

Nos crimes contra os costumes a palavra da vítima assume preponderante importância, se coerente e em consonância com as demais provas coligidas nos autos, como é o caso da hipótese vertente, em que a ofendida expôs os fatos com riqueza de detalhes, tudo em conformidade com os demais depoimentos prestados pelas testemunhas em juízo. (STJ, 5ª Turma HC 177980/BA rel. Min. JORGE MUSSI j. 28/6/2011 DJe 01/08/2011)

O Juiz monocrático consolidou o seu convencimento não apenas no depoimento pessoal da vítima, tendo igualmente embasado a sentença nas demais provas produzidas nos autos que demonstram a materialidade e apontam a autoria do delito. (...) III. Nos crimes sexuais, a palavra da vítima, especialmente quando corroboradas por outros elementos de convicção, tem grande validade como prova, porque, na maior parte dos casos, esses delitos, por sua própria natureza, não contam com testemunhas e sequer deixam vestígios. (STJ, 5ª Turma HC 59746/RJ rel. Min. GILSON DIPP j. 17/10/2006 DJ 13/11/2006 p. 280)

A presente decisão está em consonância a vereditos anteriores desta corte, inclusive tomados à unanimidade, como o aresto abaixo, de minha lavra:

A jurisprudência que empresta especial relevância à palavra da vítima de crimes sexuais, dada a clandestinidade com que realizados, serve tanto para condenar quanto para absolver. Não se pode decidir a sorte de um ser humano com base apenas em um standard jurídico, ainda mais quando institua presunção de fato desfavorável ao réu, o que não se coaduna com um processo penal de garantias. (TJE/PA, 1ª Câmara Criminal Isolada Apelação n. 2007.3.007367-0 Acórdão n. 76.395 rel. Des. JOÃO JOSÉ DA SILVA MAROJA j. 17.3.2009 DJ 20.3.2009)

Por outro lado, o apelante também se protegeu em elementos discutíveis, porquanto a maior parte das pessoas por si arroladas também foram ouvidas como informantes. Contudo, no modelo constitucional brasileiro a dubiedade ou incerteza trazida pela instrução probatória somente pode beneficiar o réu, consoante máxima há muito consagrada no ordenamento jurídico dos países democráticos. Nesse sentido, novamente o respaldo do Excelso Pretório:

1. A revisão criminal retrata o compromisso do nosso Direito Processual Penal com a verdade material das decisões judiciais e permite ao Poder Judiciário reparar erros ou insuficiência cognitiva de seus julgados. 2. Em matéria penal, a densificação do valor constitucional do justo real é o direito à presunção de não-culpabilidade (inciso LVII do art. 5º da CF). É dizer: que dispensa qualquer demonstração ou elemento de prova é a não-culpabilidade (que se presume). O seu oposto (a culpabilidade) é que demanda prova, e prova inequívoca de protagonização do fato criminoso. 3. O polêmico fraseado "contra a evidência dos autos" (inciso I do artigo 621 do CPP) é de ser interpretado à luz do conteúdo e alcance do Direito Subjetivo à presunção de não-culpabilidade, serviente que é (tal direito) dos protovalores constitucionais da liberdade e da justiça real. 4. São contra a evidência dos autos tanto o julgamento condenatório que ignora a prova cabal de inocência quanto o que se louva em provas insuficientes ou imprecisas ou contraditórias para atestar a culpabilidade do sujeito que se ache no pólo passivo da relação processual penal. Tal interpretação homenageia a Constituição, com o que se exalta o valor da liberdade e se faz justiça material, ou, pelo menos, não se perpetra a injustiça de condenar alguém em cima de provas que tenham na esqualidez o seu real traço distintivo. 5. Ordem concedida. (STF, 1ª Turma HC 92435/SP rel. Min. CARLOS BRITTO j. 25/3/2008 DJe-197 DIVULG 16-10-2008 PUBLIC 17-10-2008)

Por fim, ponto crucial que se deve considerar, neste caso, é a dúvida que restou na insuficiente instrução, dado que não se evidencia com certeza absoluta a prática dos atos narrados pela pretensa vítima e imputados ao ora apelante, uma vez que restou inconteste, apenas e unicamente, o abuso que o pai das menores praticava contra as mesmas, engravidando, inclusive, a filha mais velha quando esta tinha apenas doze anos de idade.

4 Conclusão

Ante todo o exposto, conheço da apelação e, no mérito, dou-lhe provimento, para absolver o apelante por não haver provas suficientes para a condenação, com fundamento no art. 386, VII, do Código de Processo Penal.

É como voto.

Belém, 6 de outubro de 2011.


Des. João José da Silva Maroja
Relator


FONTE: http://200.217.195.103/PortalTJ2007/consultas/processos/2grau/loadFile.aspx?cdprocesso=201030114651&nrseqprocessomv=35



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